domingo, 1 de outubro de 2017

O Macaco Nú

Um copo de cólera,
os irmãos Karamazov e eu
bebíamos numa noite na
taverna. A metamorfose
operava entre nós,
bebíamos ao admirável
mundo novo, à gaia ciência,
à vontade de potência,
fazíamos de nossos brindes
elogios da loucura
e em nossos copos tomávamos
um pouco de tudo, era o
crime e castigo, o vermelho e o
negro juntos e altamente
destilados. Ébrios, tão altos quanto
o trópico de câncer...
mas nem por isso parávamos,
resistir ao álcool é uma atividade
difícil, como o amor nos tempos
do cólera, éramos resilientes.
Eram noites brancas de lua brilhante,
sentíamo-nos bem juntos como se
tivéssemos passados cem anos de
solidão em uma estação no inferno,
não éramos mais os miseráveis de
antes. A bebida fez da taverna nosso lar,
os demônios bebiam conosco,
o menos alcoolizado ao andar parecia
o diabo coxo, um outro mais empolgado
falava de religião e dizia que iria abrir
uma igreja do diabo. Todos nós ríamos,
tudo era belo e agradável como uma
divina comédia. A bebida em nossos copos
era cerveja de espumas flutuantes,
que iam para além do bem e do mal.
Uma dama me olhava me avisou madame
Bovary, a estalajadeira, estava explicando
para os demais o modo como vivia,
minha filosofia da miséria, então parei
meu discurso do método e meus olhos
viram Lucíola, linda dama da noite e,
dali pra frente, senhora de todos os meus
dias. Serei seu eterno marido e ela minha
nova Heloísa. Lembro que vi marcado na
mesa o ano 1984, meu ano de nascimento,
mas isso não importa, estava bêbado
imaginando a casa velha que estou por
fora e o castelo que me sinto por dentro.
Do ano em que nasci até aqui, ah! quantos
outonos idos, admiro o novo e amo o
passado. É como se todos estivessem a colher
seus frutos com máquinas e eu ainda com
minha lavoura arcaica colhendo as flores
do mal por entre as dores do mundo.
Essas minhas afinidades eletivas me deixam
entre o ser e o nada e, perante o cosmos,
quando amiúde em mim eu me sinto
pequeno, sei que é porque sou humano,
demasiado humano, ou menos.



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