quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Dedos Tortos

Era um pouco mais da meia noite
por onde ele ia, mas na realidade
era uma noite inteira, escura e fria.
Estava a tentar se perder pela floresta,
mas naquela noite não seria a mata
quem o hospedaria em sua escuridão
deserta. Trazia consigo o oficio maldito
de fazer versos, nunca conseguira se
livrar da desgraça de ser poeta e por
conta disso vivia imerso em devaneios
e pensamentos sórdidos. De tanto tentar
transformar isso tudo em razoáveis
versos trazia em sua mão já alguns
dedos tortos, castigados pela árdua
labuta de sua pena que sofria para
compor como sofre uma mãe no parto.
As árvores, que a fraca luz da lua
iluminava, ao vê-lo passar fingiam-se
de natureza morta, e o aspecto
fazia-se mais sombrio ainda devido a
lívida e espectral presença do luar.
"Ah! quanta ilusão", murmurava os
seus passos no ato contínuo do seu
caminhar, "quantas somas de tolas
esperanças me levaram a acreditar
em minha tirânica vocação", delirava
ao se embrenhar cada vez mais na
escuridão e, ao perceber que cada
passo dado em qualquer direção
nunca o levaria a deixar de ser poeta,
parou, acariciou seu desespero com
desdem apenas por comunhão ao
desprezo e seguiu, não poderia voltar
uma vez que já não pertencia ao lugar
de onde partiu. Após ter atravessado
toda a floresta e a madrugada, junto
com o nascer do sol pode observar
a pequena entrada de uma afastada caverna,
"é ali que irei me encerrar para não mais
observar o mundo e a vida que existem
fora daquele lugar, deste modo, nada
irá me inspirar e assim não mais escreverei".
Mas era tolice, não sabia ele que sua
inspiração acontecia de dentro para fora
e não o contrario, e por mais que ali para
sempre morasse, ainda assim não deixaria
de ser o mesmo escravo.
Mas então ali ficou, passou todo o resto
da sua existência na caverna, e hoje,
naquele lugar, há a lenda de um velho
asceta que ali viveu e pelas paredes da
caverna há mais de milhões de versos
que até a morte ele incessantemente
escreveu.

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