sábado, 27 de maio de 2017

Matrimônio

Nosso amor não é para sempre
o tempo todo, mas nos dias de
eternidade, eu a cada segundo
por você me apaixono.

Nos dias em que bebemos na
taça do efêmero o licor do nosso
intragável amor, eu a cada instante
por você tenho absoluto e
i n c o n t e s t á v e l  horror.

À queima-roupa

Sinto uma vontade de dar um tiro
na cabeça só por causa do cabelo
que me incomoda. Se o amor me
for ingrato, então faço desse
sentimento facínora um gatilho e
é certo que assim o balaço será
certeiro no coração.
Porém, por outro lado, se as ideias
não me perturbarem e o amor não
for uma ingrata mulher, eu não
farei como o poeta russo,
eu assassinarei o revolver  e essa
vida vil, afoita e aflita, eu deixarei
que siga o seu fatídico curso.

terça-feira, 23 de maio de 2017

Numem

Eu sou a morte do assassino nas
mãos da vítima do seu crime.
Sou o Deus do perdão raivoso e
irascível para como os meus
dissidentes. Sou o fruto da união
entre a solidão e o nada, filho do
real e discípulo do abstrato, eu
sou a continuação do nada e da
mãe solidão sou eu o filho bastardo.

Eu sou a inexistência presente,
sou a ausência confirmada,
sou a presença esquecida antes
de ser ignorada.

Sou a culpa da inocência,
da vítima,
do crime eu sou a desculpa
através do silêncio que o
culpado exprime.

Do silêncio eu sou a mímica.

Sou o intervalo dado entre
uma lacuna e outra,
sou um dicionário raro de
expressões que como fonemas
têm horror a boca.

O mais altivo decaído poema,
o poeta que esconde e protege
os versos perseguidos pela métrica
capitão do mato.

Eu sou o verso caído da pena.

Sou a angústia da situação
antes que tudo melhore,
sou a inércia preguiçosa da
ação no acontecimento,
sou eu um fato a priori.

Niilismo

Versos feridos, alguns moribundos e
outros tantos a pena que fere,
parindo.
Humores sintéticos, desenvolvidos
para suportar a dureza da vida, do
tédio, a frieza que habita o espírito
poético, a certeza que era dúvida até
se convencer de que é bom acreditar
em algo. Mas o contrário também não
é certo quando o não acreditar é
absoluto, sincero e claro?
Velhos vícios provando o sabor de
novas drogas, a virtude de sempre
buscando como sempre ainda ser
institucionalizada.
Se antes havia alguma fobia,
hoje o medo é saber que antes
(talvez, é claro) havia, mas
somente no futuro é que se
saberá que na verdade nada
havia.
— Haverá! decerto era isso
que o passado dizia.
O que leva essa vida a acreditar
que deve desacreditar de mim é
o mesmo que me leva a percebê-
la simples e transitória, apenas
uma carruagem para um determinado
fim: não acreditamos na profundidade
de cada um.
Alguns preferem Cristo, outros Nietzsche,
muitos nenhum.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Cíclico

O futuro é material
inédito que o passado
já revisou para o
presente.

O amanhã é ontem.

Visão Sonora

A última visão dita por meus olhos
calou-se. O silêncio, a imagem vista
próxima, ao longe, era o medo que
desperta em nós o ruído do horizonte
nos olhando.

— A última vez que eu o vi,
disse meu olhos para meus passos,
estava ele se afastando.

Overdose

Noite nua, despida para a festa,
o destino me leva a ela trajando
eu o meu disfarce de inocente
juventude. Chego jovem e bebo
todas, lá por minha maturidade
já me sinto um pouco tonto e,
torto em pé, consigo ir atrás de
outras doses. Mas eu quero mais,
meu vício decrépito devora cigarros
jovens como que insaciável.

A noite brilha em
meus olhos a energia
fantástica da cocaína.

Começo a chegar em minha
velhice, desbravo a madrugada
como quem procura fugir da
manhã, e quando chego até a
saída, são os outros que me
carregam para fora.

Parêntesis

Fosse verdade nosso amor,
não foste.
Hoje é saudade o que passou,
e, na memória as reminiscências
não doem,
dor é esquecer
o que (não) passou.

Obliquietude

Percebi pelo sotaque do inaudível
que o silêncio me era familiar.
Meus tímpanos, crédulos do incrível,
fizeram perfeita leitura do timbre e,

para os olhos poderem acreditar,
descreveram do silêncio os detalhes
e pormenores dos traços, dessa forma,
a vista aos poucos, a prazo, convenceu-se

de que realmente percebia a ausência,
e mais tarde, quando ela esse fato olvidar,
poderá recorrer ao estimado ouvido

quando, diante do mesmo caso, perceber
as pálpebras em estranha impaciência,
estará o ambiente em vácuo pelo nada que há. 

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Soneto

Ao meu lado uma garrafa,
enquanto o silêncio e eu
balbuciamos nosso olhar
sobre algo que se passa.

Uma garrafa sóbria e quieta,
de re-sentimento destilado,
placebo inspirador como o éter,
nos cura daquilo que causa.

Em uma quietude profunda, conserto
um lapso ruidoso do silêncio,
e ele em instigadora calma,

pulula todo o ambiente entre
e ao redor da garrafa e eu,
eu...com o corpo embriagado pela alma.

Vampirismo

Maxilares de
máxima potência
em ação. É a
miséria do meu ser
devorando tudo
que me cerca
para a sua cruel e
necessária nutrição.

eu primeiro

Sempre me perco
quando saio à procura
de mim mesmo,
então quando me acho,
nunca volto a encontrar
o eu primeiro.