terça-feira, 7 de junho de 2016

Ermo

Rompido, o silêncio
i n d i s s o l ú v e l
fez se dissolvido
em miasmas.
Desfez se
reverberando o
quase inaudível
eco do nada.

Essa dor

À mim use amiúde
para o amor,
à mim basta a 
eternidade se assim
for, e que o tempo
se arraste com
imensa lentidão 
para onde for,
então dividiremos em
nossas almas essa
dádiva, essa lástima,
essa necessária dor.

Caos macio

Presto auxílio ao silêncio,
como bardo, impreco em
meu brado um caos macio,
suave e intenso, amargo.
É tenso ou quase,
só quem dá ouvidos a
poesia sabe, eu calo.

Eram poemas

Se foram os doentes os
inventores da medicina,
outrossim, foram os poetas
os responsáveis pela tristeza.
A solidão inventou minha vida
e por fim me encerrou
em sua fortaleza,
ali, eu risquei os primeiros traços
do silêncio, inventei-o em mim.
Eram poemas...
mas só tempos depois
foi que descobri.

Adiaphoría

Para com a vida, adiaforia.
Há dias a mesma adia a
minha alforria, não falo da
morte, essa ávida vadia,
falo da minha proposta,
do modo como eu quero
levar a vida, do meu jeito,
da minha poesia.
Pois o meu destino desde
menino, para comigo
ardia em adiaforia.

Avante

Ócio aos ossos,
descanso ao cálcio,
ao passo que cada
passo dado o conduz
ao fracasso.

Deduz os olhos
ao observar um
horizonte em
diáspora...

Diástole do verso!

Enquanto magro o
corpo, as derrotas
engordam e engordam.

Mas algo o invade,
é uma vontade de
nunca parar,
e então ele brada:

— Adiante...adiante ou morte!


Reciprocidade Estelar

Há sobre a terra a
sombra do céu,
assombra e assoma
quem vive neste solo
sob este véu.

Há sobre a Terra a
infinita incerteza
acerca desses céus:

Há bilhões de possibilidades
dessa tristeza não ser única e,
como não sou astronauta,
fico aqui a olhar para as
estrelas imaginando alguma
existência recíproca.

Duas Marias

A luz ilumina e cega,
depende o lado que estas.
Sempre sonhei em voar,
mas a altura me causa
vertigem, me indispõe
imaginar.

Amo o solo e a noite
escura...o luar.

muitos querem ser Jesus,
outros pensam ser a virgem,
o meu dilema é saber se sou
Judas, Barrabás e Madalena
idem.

Impoética

Hipotética,
é o que és como
musa, tua beleza
comum é tão
comum que abusa,
e teu rosto entre
retratos escrotos
figura como mais
um entre aqueles
que tanto assusta.
Impoética,
tenho minha inspiração
maculada por tua
existência vaga,
és brochante, tua
presença amolece minha
inflexão poética e,
nesse instante, se eu
tivesse que dizer te
algo, eu diria:
— Vá a merda, oh dama
estúpida e, se achas que
um dia será poesia,
eu lhe asseguro o contrario,
jamais doravante.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Sal do céu

À ti, antípoda da gloria e da
virtude, meu coração repulsa,
pulsa friamente e repulsa
outra vez, expulsa a figura
suja do amor como quem
escarra violentamente na fuça
ordinária de um opressor.

Á ti amor, faço esses versos
à ferro, forjo-os num fogo
mais primitivo do que as chamas
que ardem no inferno. Faço-os
para ferirem e com isso mostro
que algo me ensinastes, me mostrou
o desenho da dor e sobre a planta
foste incansável, quase um sábio
em me fazer ser doutor na arte de
afligir e de destilar escárnio.

Amor que nunca foi o bastante,
que nunca veio e que já foste,
que tão depressa foi embora e
que nunca cessa a espera à tua
demora para aqueles que amaldiçoou
a alma a vida, em tua memória.

Incognoscível é tua sina e tua
condição em banditismo é dolosa,
gostas de ser cruel e tua essência
tem muito de profano humano e de
divino há só sal do céu.

Punhal e Machado

O que sou eu,
um monstro, um caos,
um deus, um nenúfar,
um punhal,

Um Homem, a ordem,
um incógnita, uma rã,
uma ferida mortal?

Sou o que penso ser
desde que seja meu
esse absoluto querer:

Uma quimera, uma novidade,
um prodígio, um vassalo
de contradições.

Um Nietzsche, um Machado,
um Hitler, um ninguém,
um Pascal. 

Deus eu do apocalipse

Fiz um pacto com o diabo
e ele me concedeu um desejo.
Eu lhe falei que gostaria de
ser deus por um segundo.
Ele achou estranho meu pedido
e me perguntou o que eu faria
com todo o poder de deus em
apenas um segundo.
Eu lhe respondi que este tempo
basta para eu acabar com este
mísero mundo.

Vera Efígie

Minha’lma n’agua,
sobre esta, maculada e
rubra, se olha indefesa
e em lágrimas murmura
todas suas incertezas diante
da mesma água turva.

Minha figura rasa,
em brasas, queima a água
de púrpura calma,
leva meu sangue por
onde corre,
escorre sem estanque.

É a alma que chora,
discorre sua dor e nesse
instante o que ali se
afoga é o rubor do
interno fogo que aflora,
desafoga o último
lume de vida que resta
indo os olhos ao
horizonte para a derradeira
aurora, ao entender que
nasce o dia, morre, para na
eternidade fazer-se
senhora.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Lucy Fernanda

Trazia o próprio diabo no nome,
não me atreveria a dizer que era má,
mas muito justo é afirmar que não era
santa. Tinha a paixão por aventuras
que consome a pureza de qualquer dama.
Era bela, fogosa, provocante, fazia-se
notar por onde passava através de
seu sorriso encenado, os lábios
entreabriam-se para mostrar seus
alvos dentes brilhantes, de um esmalte
quase espelhado, o riso preso à boca
era quase sempre de escárnio,
dizem que desdenhava de todos apenas
por diversão, outros afirmavam que não
gostava de ninguém e que era senhora
absoluta e até tirânica do seu coração.
Alguns rapazes que já haviam lhe servido
de presa, os que não haviam enlouquecido
ou se matado, eram enamorados perpétuos,
mas todos infelizes e desprezados.
Dizia ela que o amor é uma fraqueza da
alma, e que só os espíritos fracos e baixos
é que se deixam levar por esse sentimento
tão medíocre. Ela não, era mais que uma
hedonista, era devota assídua dos prazeres
da carne, dos vícios e de toda a sorte de
pecados, dos mais leves aos mais sujos
e sórdidos. Religião para ela era o câncer
do mundo, mas se divertia sabendo que povos
e mais povos matam e morrem em nome
de Deus. Deus em sua concepção era nada
mais que uma bruma inerte e abstrata,
nada significava para ela. Aliás, nada no
mundo importava a não ser ela mesmo e sua
figura admirada. Narcisista, egoísta, prepotente,
arrogante, etc. Era possuidora dos mais vis
títulos que possam ser atribuídos a alguém.
Era arrasadora com o olhar, persuasiva com
as palavras, encantadora com os gestos e modos,
era a dissimulação em pessoa. Seu corpo era de
uma vênus de fogo que poucos escolhidos tiveram
o prazer de nele se queimar. Seu corpo jamais
poderia ser esculpido no mármore, pois a fria
pedra não representaria dignamente os ardentes
contornos do seu talhe. Se poesia lhe fosse feita,
nem Baudelaire nem Bocage, quem sabe Byron
compusesse versos que mais se assemelhassem  a
sua perigosa beleza. Alguns admiradores a
mandavam versos que ela recebia com desdem e
nem sequer os lia, dizendo que não se dava para
coisas tão insignificantes. Não era amante das
artes, não admirava a natureza,
as estrelas, o luar. Nada alem dela e de seus
maquiavélicos interesses recebia a sua atenção.
Diziam que não era merecedora nem do paraíso
nem do inferno, e se passasse pelo purgatório
corromperia todos que ali jazem esperando
anistia. Mas para onde iria então essa alma
meio mulher e meio diaba?
Ao certo para onde ela desejasse, desde que lá
pudesse ser rainha, déspota, e que houvesse quem
à admirasse e prestasse juras à sua postura malévola,
à sua beleza profana e pérfida.
O que sabemos é que assim viveu Lucy Fernanda,
sempre faceira, feliz e intrépida.