sábado, 29 de novembro de 2014

Grã Odiosa Opera

Oh! fêmea matriz,
abriga-me em teu útero
como filho único ou,
em todo caso,
como câncer putredíneo,
fruto teu e do descaso.

Oh! mãe de toda beleza,
deixa-me adentrar tuas entranhas,
deixa-me existir como criatura
profana e morar no interior
sacrossanto de tua natureza.

Mesmo que minha voz
não produza nenhum canto
permita-me soprar em teus
ouvidos meu pranto atroz,
permita que dentro de ti
meus gritos de dor encontrem
a paz, mesmo que esta dor não
a torne condescendente deixe-a
buscar em ti algo que a acalente,
algo que a apraz.

Ah! senhora,
eu que não admiro a pureza,
eu que em nada me encanto
com tal leveza, rogo à ti,
sonda-me:
tu que não és Maria,
tu que não és a virgem
violada pela divindade auto-
intitulada senhor de toda
supremacia,
tu que devoras os tolos,
que outrora já existia mesmo
antes de nada haver nos
pergaminhos da historia e
em todos os velhos tomos
do evangelho, diga-me oh
dona da minha reverência,
será possível a existência
apesar de sua nata efemeridade,
com muita perseverança, ter o
mesmo tempo que a eternidade,
ou apenas a inexistência possui
a mesma similaridade (contem-
poraneidade)?
Eu um abjeto expelido do
ventre do tempo queria muito
provar do infinito apenas uma
vez e assim habitar para sempre
esse tão único momento.

Oh! minha amada,
concede-me a eutanásia,
lhe suplico, não sou apto
ao suicídio pois em mim
não há alma e, meu corpo,
esse involucro vazio,
não pertence à mim,
é todo teu oh! fêmea matriz,
e é teu destino dar cabo
de mim, assim, liberta-me
para a eternidade,

— livra-me de ti
oh! dama covarde.

Sei que eu nunca soube
oque fazer com tal dádiva,
com tal lástima que nunca
coube em meu ser, e as
arestas nunca foram aparadas.
O tempo todo em meu caminho
eu tropecei em ti e a cada queda
mais pro fundo tu me puxavas.
Meu destino sempre foi um
menino violado pela mãe incestuosa
que sempre o embalava em seus
braços e, com seus abraços,
sem misericórdia o vilipendiava,
oh! bruxa poderosa.

Não é minha culpa o fracasso
uma vez que tu me reprovaste
sem ao menos me permitir
fazer a prova.
o talento que me deste é o
mesmo de um médico que num
mundo de saudáveis tivesse o
dom de erradicar toda uma
sorte de pestes.
Aquilo que produzo ninguém
consome, eu caído em desuso
em meu ápice, um poeta
decaído que não pode fazer
uso de sua verve que ferve
no clímax da mais pura arte.

Ah! acre ninfa,
tu que pareces doce
mas no primeiro beijo
já libera teu fel sobre
a língua, tu és nojo hoje
e foste ontem, me engana
com teu calor e no frio
tu me corrompes.
Tenho em meu peito
um sentimento que me
invade, mas não é amor,
é só desprezo que em meu
coração arde e é com
ele que vocifero o que
antes já lhe pedi:

— livra-me de ti
oh! dama covarde.

Escuta, foste tu,
oh! facínora prostituta,
que forjaste em teus
olhos minha face,
e como quem para mim
olhasse, me ignorava,
ignora-me, se nunca
me viste de propósito,
diga-me qual o propósito
de tua dissimulação?

Ah! vida,
no fundo tenho dúvidas
se no fundo tu também
não és vítima de nossa
relação, como eu poderia
contribuir com tua grandeza
se sou apenas fruto de
tudo aquilo que não
produz tua natureza.

Da parte que me cabe,
eu aprendi a doutrinar
minha tristeza e quando
depois de muita acareação
com meus demônios eu vi
que a beleza dos meus
vitalícios lamentos vão
até onde tu permitas
que pereçam.

Tu, que sempre ousa
seduzir minha solidão
não sabe nada sobre
companhia, oh! filha única
da agonia e da compaixão.

Eu, filho do mundo,
da vontade do poder,
do desejo de obter
em um segundo
o que em milênios
Cristo conseguiu,
mas eu nada tenho,
o que possuo é meu
corpo magro que arrasto
por aí, sem direção,
meu fardo tão pesado
quanto a cruz que Jesus
carregou para a sua
crucificação.

Eu, filho do mundo,
da materialidade,
da ciência de que a
felicidade é impalpável,
e vítima da certeza
de que ela sempre
escapará das minhas mãos.
daqui pra frente só
amarei a metafísica,
farei da filosofia minha
moeda e passarei a
reciclar minha mística
para poder sustentar
minhas eternas madrugadas
de insônias libertárias.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Desengano

Vede oh vate
o que vale tua existência
se teus versos nada valem,
o que valem os teus versos
se em tua existência eles
não cabem?

Do que uma vinda perdida
mais vale um adeus,
pois lhe falhou a vida e
falha te deus,
lhe falhou a pena nas
linhas percorridas por
tua escrita e nelas tua
verve morreu.

Vade oh vate
não há nada em tua poesia
que seja teu,
não há poesia,
e se pensas que produziste
alguma, não produziste,
lembra-te que tua verve morreu,
tu à mataste quando insististe e
muito, durante muito tempo que
eras um vate,
não és, nunca foste,
o que houve foi só impressão
pois tua existência nos moldes
desta vida nunca coube,
e como alento para tua tristeza,
escreveste, mas produzir poesia,
oh vate não lido,
tu nunca soube.

Soulstício

sabe minha solidão que
já fui outono quando era
primavera,
hoje sou inverno!
e os que esperam minha
queda no futuro,
eu lhes asseguro que isso
nunca verão.