sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Por Onde Passo

não deixo de ser quem sou
por onde ando, por onde calo,
por onde canto. mesmo quando
finjo, sou ainda o mesmo eu
centuplicado. o que penso sobre
tudo e todos, penso que são os
outros os destoados, mas não,
sou eu o incapaz de concordar
com algo capaz de inflamar uma
discussão acerca dos assuntos mais
abordados por esses outros, esses
que não são parecidos comigo nem
um pouco. eu, um abortado.
como pode a minha colheita,
fruto daquilo que planto,
alimentar todo esse povo,
sendo que o que eles consomem
é o inverso daquilo que canto?
como deus pode me salvar
se eu nunca o resgatei do
ostracismo de todo altar,
como posso, de coração,
para ele orar, se a oração
que aprendi me diminui tanto
perante ele que mal posso
alcançar o mesmo altar?
não escondo a minha culpa
em nenhuma tola esperança,
assumo sim que sou vítima,
mas meu algoz sempre foi a
perseverança, insistir no erro
como insiste em ser feliz na
miséria toda criança, eis a beleza
da nossa infância. como poderia
eu dizer à eles que ao som da
vida a tristeza também dança.
eu, que não deixo de ser quem sou
por onde ando, por onde calo,
por onde danço.
pecaminoso dentro de todo o
arbítrio, a cada passo dado sobre
esse solo, sob esse céu um novo
prejuízo. mais uma vez ocupo o
posto de réu, mesmo assim serei
sempre absolvido, estamos condenados
à infinita bondade de deus, a benção
da honra de sermos, por ele,
punidos. eu, um trapaceiro, talvez
ceguei minha fé ao abrigá-la em
uma caixa de espelhos. o horizonte
dessa crença é o retrocesso ao
início do primeiro milênio,
ao tempo da grande obra divina,
o filho carpinteiro. daquela época,
o grande astro, que para alguns
funciona como esteio para os fracos,
mas para mim é o óleo lubrificante
da engrenagem do meu cansaço.
eu que não deixo de ser quem sou
por onde ando, por onde calo,
por onde canso, por onde passo.

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